Aprender a escrever...

Aprender a escrever só se faz escrevendo. E só aprendemos bem aquilo que para nós tenha poesia.

domingo, 27 de abril de 2014

Projeto - Capítulo 27



Capítulo 27 – Coisas estranhas

                 
– Coisas estranhas, mundo estranho... E mulheres estranhas. Acho que essas águas termais não fazem tão bem para a pele quanto ela disse. – e mesmo com a conclusão formada, continua a relaxar, ou a tentar. Após um tempo, volta ao templo e é chamado pela sacerdotisa. Ajoelha-se em frente à porta, abre-a, entra, ajoelha-se novamente e a fecha.
– Aprendeu mesmo as coisas com a Sayumi. Mas, não lhe chamei pra treinar isso. Aconteceu algo estranho.
– Dependendo do ponto de vista, concordo plenamente. – diz Raitun fazendo uma mesura. Se aproxima e senta à mesa. Assim como no templo de Lilith, as mesas e tudo mais tinham estilo japonês. Isso às vezes o faz pensar o que é realmente aquele mundo, com tanta coisa “familiar” (e tanta coisa nada familiar, mas ainda assim familiar). Volta-se novamente à mesa, depois de um breve devaneio. As mesas japonesas são baixas, por que os japoneses sentam no chão ou ajoelham em uma posição chamada seiza para comer nelas ou tomar chá... Como a maioria das mulheres, Louise se ajoelhava, e Raitun, como a maioria dos homens, sentava com as pernas encolhidas. Espadas geralmente ficavam no colo ou ao lado do dono. Presume-se que outras armas tenham o mesmo tratamento, afinal as armas são parte do guerreiro nesse mundo.
– Me pergunto como você soube.
– Ah, agora entendi. Não estamos falando do mesmo assunto. – Constata a sacerdotisa, um pouco tarde talvez.
– E qual seria o seu? – indaga o aprendiz.
– Nosso aprendizado será interrompido prematuramente. Você deve ir ao próximo templo. – O aprendiz pensa em retrucar, mas lembra-se do respeito.
– Como desejar.
– Para o oeste jovem, para o oeste. E uma informação adicional importante: No reino de Montris, os caminhos vão por VOCÊ! – E a respeito do jovem foi uma mesura e a sua retirada do local, montado em Kitsu e rumo a oeste, como prometida.
– O que foi aquela última frase da sacerdotisa Louise?
– Informação confidencial – resmunga a raposa enquanto corre.
– Que irritante esse monte de informação confidencial! – após uma pausa, continua – Ei, o que acontece se eu descobrir alguma informação confidencial?
– Informação confidencial. Primeiro: fique forte. Depois, cresça e aprenda. Por último, fique realmente sábio e verdadeiramente forte. – O aprendiz por hora apenas se segura na raposa, mantendo os olhos fechados. De repente toma um susto, é arremessado contra uma árvore.
– Isso dói, raposa maldita! – Só então ele se dá conta do verdadeiro choque: estava em uma densa floresta negra, uma névoa embaçava tudo que se encontrava à sua volta e a “raposa maldita” não estava lá.  O desespero e o medo tomam conta do aprendiz, apesar de tudo ainda era um humano. Um humano perdido em lugar que não sabia onde ficava, onde era ou se existia. Tomado por desespero, em um lugar sombrio onde a esperança diminui, e os passos apertam. E após um tempo o aprendiz finca as katanas no chão, vencido pelo cansaço.
– As gêmeas me pareciam tão sábias e seguras. Ah, se as gêmeas estivessem aqui comigo nesse momento...
– Raitun...
– Ah, gêmeas...
– Raitun...
– Se vocês estivessem por aqui...
– Raitun!
– Gêmeas?! As gêmeas! Ei, onde vocês estão?
– Estamos dentro de você, seu estúpido. Somos uma existência só, lembra?
– Ah, verdade.
– Mestre idiota. Por que demônios o escolhemos mesmo? Temporada de caridade? – dizem as gêmeas katanas, enquanto suas lâminas brilham e elas se materializam. – Pronto, estamos aqui na sua frente.
– E onde seria “aqui” no momento?
– A floresta negra do oeste.
– E era até aqui que queriam que eu viesse?
– Um pouco mais além daqui.
– Por que vocês gostam de falar juntas?
– Apesar de sermos duas, formamos um conjunto perfeito funcionando como um só. Por isso falamos sempre juntas. Mestre idiota.
– Tá, tá... E como eu saio daqui?
– Mestre, palavras nunca são ditas em vão. Não em Montris, e provavelmente, no seu mundo também não.
– Como assim? – Antes da resposta ele faz um movimento pedindo para que elas não falem. Bem a tempo de escutar as vozes delas ecoando pela floresta: “em Montris”, e isso lembra a ele da frase estranha da sacerdotisa, que tinha algo parecido com esse fragmento.
– Ah, e por que vocês só apareceram agora?
– Não fomos requisitadas por nosso mestre antes.
– Já que não foram antes, que sejam agora. O que a sacerdotisa disse antes de sairmos?
– “No reino de Montris, os caminhos vão por você!” ou algo do tipo.
– E o que isso significa?
– Sabemos, e ao mesmo tempo não sabemos. Se as palavras foram ditas a você, você quem tem que encontrar a resposta.
– Vocês são parte de mim ou não? – O silêncio toma conta do lugar naquele momento, até que ele suspira e diz: – Que o caminho venha até mim...
– “Caso eu peça com a minha alma”?! É uma boa ideia.
– Que o caminho venha até mim, caso eu peça com a minha alma – diz ele, usando um pouco de mana. A aposta pareceu bem sucedida, algumas árvores se afastam, e mostram a ele um caminho em meio à floresta escura. A essa altura, as gêmeas já voltaram pras bainhas. Mesmo hesitante, resolve seguir seu caminho, até bater literalmente de cara em algo, que parecia bem real e sólido, porém invisível. Raitun usa seus olhos de raposa, e vê que na coisa invisível com a qual bateu circula uma imensa quantidade de mana, como uma parede.
– Uma barreira. Por que tem uma barreira no meio da floresta?
– Para afastar visitantes que não devem visitar este local, é claro.
– Quem é você?– Pergunta ele à voz feminina que veio de dentro da barreira
– Quem mais estaria em um templo protegido por uma barreira?
– Ah, então você deve ser a sacerdotisa Mary Anne.
– Correto. Atravesse a barreira para conversarmos melhor dentro do templo.
– A barreira não me deixa passar.
– Então morra aí fora, aprendiz incapaz. Não falo com quem não consegue atravessar essa barreira.
– Mas...! – o aprendiz suspira, resolve ponderar as palavras e se focar em atravessar a barreira. Após algumas tentativas falhas, ele tenta usar seus poderes para quebrar a barreira.
– Essa não é a maneira certa. – diz Kitsu de dentro da barreira.
– Raposa maldita! – o aprendiz avança tentando atingir a barreira, porém é cada vez mais rejeitado por ela, dessa vez é jogado para trás e bate em uma das árvores.
– Você é realmente idiota. Você quer atravessar uma barreira defensiva dela com esse nível de ataque? Dessa maneira?
– E que nível de ataque eu devo usar? O poder dos deuses?
– Use a sua mana para proteção, não para atacar. Idiota.
O aprendiz concentra mana em volta do corpo, como uma armadura, uma segunda pele. E finalmente, após algumas tentativas, consegue atravessar a barreira indo com as katanas de encontro à raposa. Porém não consegue acertá-la, apesar de tentar várias vezes. A sacerdotisa observa um pouco os dois.
– Você veio aqui pra brincar de pega-pega com a raposa?
– Me mandaram vir até aqui, porém eu não sei o porquê. Se puder me fazer o favor de explicar, eu agradeço. – comenta o aprendiz.
– “Não sei o porquê”, heim? – a sacerdotisa põe a mão na testa do aprendiz e fecha os olhos por instantes – Você está um pouco confuso. Aconselho-o a ir meditar um pouco ao lado do Nefirus. O clima parece obscuro, mas isso irá clarear relativamente as coisas dentro da sua mente. – O aprendiz responde com uma mesura, se dirigindo ao rio. Ao chegar, se senta na margem e fica observando as águas escuras passando. Suas lembranças vêm à tona. Lembranças do quando estava em seu mundo verdadeiro, e era um garoto fechado em seu quarto que aos poucos foi evoluindo, e aprendendo a viajar em suas ideias. Conseguiu algumas valiosas amigas e conselheiras, e aprimorou tanto essa habilidade que de alguma forma estava realmente em viagem dessa vez. As águas pareciam um espelho de sua alma, e elas começam a mostrar cenas, não do mundo original dele, e sim de quando ele chegou. Os pequenos aprendizados e lições. “Nunca desista, pelo menos não até conseguir o que quer”. “Conhecimento é poder”. “Fique sábio, assim você ficará realmente forte.”. “Mesmo que seu caminho seja solitário, se é o que você escolheu, siga-o até o fim, e supere todos os obstáculos que aparecerem.”. Vozes femininas lhe vêm aos ouvidos, vozes doces, conhecidas. Lilith e Hatsumomo eram quem falavam naquelas cenas.
– Confuso entre duas? Sobre o que elas querem? – Diz uma voz desconhecida.  O aprendiz se vira rapidamente e depara com um ser desconhecido. Logo que o viu veio a sua mente a descrição de um centauro: meio homem, meio cavalo. Porém ele não era meio homem. Parecia ser meio elfo noturno. Apesar de bem mais forte que os outros elfos que Raitun viu por Midgard, o ser era com certeza meio elfo.
– Quem é você?
– Você não me perguntou o que, e sim quem. Interessante, isso não é muito comum. Meu nome é Ácades, sou um celtamorfo, e a minha tarefa é lhe aconselhar.
– Ah, verdade. Disseram isso antes. E como você aconselha os que vêm até aqui?
– Não sei lhe dizer exatamente como faço, apenas faço. Existem coisas que não podem ser explicadas ou deixariam de sê-lo. Meus conselhos talvez sejam uma dessas coisas. Existe algo melhor que conselhos para abrir a mente e clarear as ideias?
– Se existe, não conheço. Que venham os conselhos...
– Cuidado com os reflexos de um espelho, muitas vezes eles distorcem a realidade. Não posso lhe dizer mais que isso.
– Agradeço assim mesmo. Sei que isso é algum tipo de enigma, porém tentarei decifrar. – Diz enquanto o estranho ser da floresta negra se afasta rapidamente. Raitun volta ao templo para tomar chá e conversar um pouco com a sacerdotisa. E novamente no caminho do mundo, o aprendiz indaga à sua montaria sagaz e falante: – Kitsu, qual a próxima parada?
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