Capítulo 27 – Coisas estranhas
– Coisas estranhas, mundo
estranho... E mulheres estranhas. Acho que essas águas termais não fazem tão
bem para a pele quanto ela disse. – e mesmo com a conclusão formada, continua a
relaxar, ou a tentar. Após um tempo, volta ao templo e é chamado pela
sacerdotisa. Ajoelha-se em frente à porta, abre-a, entra, ajoelha-se novamente
e a fecha.
– Aprendeu mesmo as coisas com a
Sayumi. Mas, não lhe chamei pra treinar isso. Aconteceu algo estranho.
– Dependendo do ponto de vista,
concordo plenamente. – diz Raitun fazendo uma mesura. Se aproxima e senta à
mesa. Assim como no templo de Lilith, as mesas e tudo mais tinham estilo
japonês. Isso às vezes o faz pensar o que é realmente aquele mundo, com tanta
coisa “familiar” (e tanta coisa nada familiar, mas ainda assim familiar).
Volta-se novamente à mesa, depois de um breve devaneio. As mesas japonesas são
baixas, por que os japoneses sentam no chão ou ajoelham em uma posição chamada
seiza para comer nelas ou tomar chá... Como a maioria das mulheres, Louise se
ajoelhava, e Raitun, como a maioria dos homens, sentava com as pernas encolhidas.
Espadas geralmente ficavam no colo ou ao lado do dono. Presume-se que outras
armas tenham o mesmo tratamento, afinal as armas são parte do guerreiro nesse
mundo.
– Me pergunto como você soube.
– Ah, agora entendi. Não estamos
falando do mesmo assunto. – Constata a sacerdotisa, um pouco tarde talvez.
– E qual seria o seu? – indaga o
aprendiz.
– Nosso aprendizado será
interrompido prematuramente. Você deve ir ao próximo templo. – O aprendiz pensa
em retrucar, mas lembra-se do respeito.
– Como desejar.
– Para o oeste jovem, para o
oeste. E uma informação adicional importante: No reino de Montris, os caminhos
vão por VOCÊ! – E a respeito do jovem
foi uma mesura e a sua retirada do local, montado em Kitsu e rumo a oeste, como
prometida.
– O que foi aquela última frase
da sacerdotisa Louise?
– Informação confidencial –
resmunga a raposa enquanto corre.
– Que irritante esse monte de
informação confidencial! – após uma pausa, continua – Ei, o que acontece se eu
descobrir alguma informação confidencial?
– Informação confidencial.
Primeiro: fique forte. Depois, cresça e aprenda. Por último, fique realmente
sábio e verdadeiramente forte. – O aprendiz por hora apenas se segura na
raposa, mantendo os olhos fechados. De repente toma um susto, é arremessado
contra uma árvore.
– Isso dói, raposa maldita! – Só
então ele se dá conta do verdadeiro choque: estava em uma densa floresta negra,
uma névoa embaçava tudo que se encontrava à sua volta e a “raposa maldita” não
estava lá. O desespero e o medo tomam
conta do aprendiz, apesar de tudo ainda era um humano. Um humano perdido em
lugar que não sabia onde ficava, onde era ou se existia. Tomado por desespero,
em um lugar sombrio onde a esperança diminui, e os passos apertam. E após um
tempo o aprendiz finca as katanas no chão, vencido pelo cansaço.
– As gêmeas me pareciam tão
sábias e seguras. Ah, se as gêmeas estivessem aqui comigo nesse momento...
– Raitun...
– Ah, gêmeas...
– Raitun...
– Se vocês estivessem por aqui...
– Raitun!
– Gêmeas?! As gêmeas! Ei, onde
vocês estão?
– Estamos dentro de você, seu
estúpido. Somos uma existência só, lembra?
– Ah, verdade.
– Mestre idiota. Por que demônios
o escolhemos mesmo? Temporada de caridade? – dizem as gêmeas katanas, enquanto
suas lâminas brilham e elas se materializam. – Pronto, estamos aqui na sua
frente.
– E onde seria “aqui” no momento?
– A floresta negra do oeste.
– E era até aqui que queriam que
eu viesse?
– Um pouco mais além daqui.
– Por que vocês gostam de falar
juntas?
– Apesar de sermos duas, formamos
um conjunto perfeito funcionando como um só. Por isso falamos sempre juntas.
Mestre idiota.
– Tá, tá... E como eu saio daqui?
– Mestre, palavras nunca são
ditas em vão. Não em Montris, e provavelmente, no seu mundo também não.
– Como assim? – Antes da resposta
ele faz um movimento pedindo para que elas não falem. Bem a tempo de escutar as
vozes delas ecoando pela floresta: “em Montris”, e isso lembra a ele da frase
estranha da sacerdotisa, que tinha algo parecido com esse fragmento.
– Ah, e por que vocês só
apareceram agora?
– Não fomos requisitadas por
nosso mestre antes.
– Já que não foram antes, que
sejam agora. O que a sacerdotisa disse antes de sairmos?
– “No reino de Montris, os
caminhos vão por você!” ou algo do tipo.
– E o que isso significa?
– Sabemos, e ao mesmo tempo não
sabemos. Se as palavras foram ditas a você, você quem tem que encontrar a resposta.
– Vocês são parte de mim ou não?
– O silêncio toma conta do lugar naquele momento, até que ele suspira e diz: –
Que o caminho venha até mim...
– “Caso eu peça com a minha
alma”?! É uma boa ideia.
– Que o caminho venha até mim,
caso eu peça com a minha alma – diz ele, usando um pouco de mana. A aposta
pareceu bem sucedida, algumas árvores se afastam, e mostram a ele um caminho em
meio à floresta escura. A essa altura, as gêmeas já voltaram pras bainhas.
Mesmo hesitante, resolve seguir seu caminho, até bater literalmente de cara em
algo, que parecia bem real e sólido, porém invisível. Raitun usa seus olhos de
raposa, e vê que na coisa invisível com a qual bateu circula uma imensa
quantidade de mana, como uma parede.
– Uma barreira. Por que tem uma
barreira no meio da floresta?
– Para afastar visitantes que não
devem visitar este local, é claro.
– Quem é você?– Pergunta ele à
voz feminina que veio de dentro da barreira
– Quem mais estaria em um templo
protegido por uma barreira?
– Ah, então você deve ser a
sacerdotisa Mary Anne.
– Correto. Atravesse a barreira
para conversarmos melhor dentro do templo.
– A barreira não me deixa passar.
– Então morra aí fora, aprendiz
incapaz. Não falo com quem não consegue atravessar essa barreira.
– Mas...! – o aprendiz suspira,
resolve ponderar as palavras e se focar em atravessar a barreira. Após algumas
tentativas falhas, ele tenta usar seus poderes para quebrar a barreira.
– Essa não é a maneira certa. –
diz Kitsu de dentro da barreira.
– Raposa maldita! – o aprendiz
avança tentando atingir a barreira, porém é cada vez mais rejeitado por ela,
dessa vez é jogado para trás e bate em uma das árvores.
– Você é realmente idiota. Você
quer atravessar uma barreira defensiva dela com esse nível de ataque? Dessa
maneira?
– E que nível de ataque eu devo
usar? O poder dos deuses?
– Use a sua mana para proteção,
não para atacar. Idiota.
O aprendiz concentra mana em
volta do corpo, como uma armadura, uma segunda pele. E finalmente, após algumas
tentativas, consegue atravessar a barreira indo com as katanas de encontro à
raposa. Porém não consegue acertá-la, apesar de tentar várias vezes. A
sacerdotisa observa um pouco os dois.
– Você veio aqui pra brincar de
pega-pega com a raposa?
– Me mandaram vir até aqui, porém
eu não sei o porquê. Se puder me fazer o favor de explicar, eu agradeço. –
comenta o aprendiz.
– “Não sei o porquê”, heim? – a
sacerdotisa põe a mão na testa do aprendiz e fecha os olhos por instantes –
Você está um pouco confuso. Aconselho-o a ir meditar um pouco ao lado do
Nefirus. O clima parece obscuro, mas isso irá clarear relativamente as coisas
dentro da sua mente. – O aprendiz responde com uma mesura, se dirigindo ao rio.
Ao chegar, se senta na margem e fica observando as águas escuras passando. Suas
lembranças vêm à tona. Lembranças do quando estava em seu mundo verdadeiro, e
era um garoto fechado em seu quarto que aos poucos foi evoluindo, e aprendendo
a viajar em suas ideias. Conseguiu algumas valiosas amigas e conselheiras, e
aprimorou tanto essa habilidade que de alguma forma estava realmente em viagem
dessa vez. As águas pareciam um espelho de sua alma, e elas começam a mostrar
cenas, não do mundo original dele, e sim de quando ele chegou. Os pequenos
aprendizados e lições. “Nunca desista, pelo menos não até conseguir o que
quer”. “Conhecimento é poder”. “Fique sábio, assim você ficará realmente
forte.”. “Mesmo que seu caminho seja solitário, se é o que você escolheu,
siga-o até o fim, e supere todos os obstáculos que aparecerem.”. Vozes
femininas lhe vêm aos ouvidos, vozes doces, conhecidas. Lilith e Hatsumomo eram
quem falavam naquelas cenas.
– Confuso entre duas? Sobre o que
elas querem? – Diz uma voz desconhecida.
O aprendiz se vira rapidamente e depara com um ser desconhecido. Logo
que o viu veio a sua mente a descrição de um centauro: meio homem, meio cavalo.
Porém ele não era meio homem. Parecia ser meio elfo noturno. Apesar de bem mais
forte que os outros elfos que Raitun viu por Midgard, o ser era com certeza
meio elfo.
– Quem é você?
– Você não me perguntou o que, e
sim quem. Interessante, isso não é muito comum. Meu nome é Ácades, sou um
celtamorfo, e a minha tarefa é lhe aconselhar.
– Ah, verdade. Disseram isso
antes. E como você aconselha os que vêm até aqui?
– Não sei lhe dizer exatamente
como faço, apenas faço. Existem coisas que não podem ser explicadas ou deixariam
de sê-lo. Meus conselhos talvez sejam uma dessas coisas. Existe algo melhor que
conselhos para abrir a mente e clarear as ideias?
– Se existe, não conheço. Que
venham os conselhos...
– Cuidado com os reflexos de um
espelho, muitas vezes eles distorcem a realidade. Não posso lhe dizer mais que
isso.
– Agradeço assim mesmo. Sei que
isso é algum tipo de enigma, porém tentarei decifrar. – Diz enquanto o estranho
ser da floresta negra se afasta rapidamente. Raitun volta ao templo para tomar
chá e conversar um pouco com a sacerdotisa. E novamente no caminho do mundo, o
aprendiz indaga à sua montaria sagaz e falante: – Kitsu, qual a próxima parada?
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