Aprender a escrever...

Aprender a escrever só se faz escrevendo. E só aprendemos bem aquilo que para nós tenha poesia.

domingo, 4 de maio de 2014

Projeto - Parte 2, Capítulos 7 e 8



Capítulo 7 – Punição dupla


O aprendiz paralisa diante das palavras da sacerdotisa, e Hitch toma a palavra.
– Ela estava premeditando isso há muito tempo, e você sabe. Só não sabíamos que alguém de seu nível seria pega tão rapidamente por uma armadilha óbvia como essa.
– Dane-se, sua meretriz. Ceifarei suas almas, e a liberdade virá.
– Infelizmente, o quadro ainda é pior, diz Yumi aparecendo em frente ao quarteto (as gêmeas sumiram quando atingidas pela magia)
– Se não tens algo mais belo que o silencio a dizer, cale-se, retruca Raitun.
– Não é belo o que tenho a dizer. Além de tentar lhe matar várias vezes, e tentar fazer o mesmo com pessoas do reino, ela traiu o nosso reino servindo de espiã para os Luminus. Levava informações de nossas tropas e afins.
– E a punição para seus crimes...
– É a morte.
O aprendiz se dirige á porta, em forma de raposa.
–Não concordo com a morte dela, ou com mortes de pessoas próximas, aliadas ou outra qualquer. Algumas delas acontecem, outras são “necessárias”... Não concordo, porém um mero aprendiz não pode fazer nada contra as leis de seu reino. Muito menos contra as de um reino do qual não é filho. Que seja feita a sua lei. Não posso me meter nisso... Não me cabe o direito... Ainda não. Após essas palavras ele sai correndo em forma de raposa.
– Maldita sejais tu, substituta, por profanar locais sagrados e trair nosso reino de tal forma. De si, que os deuses tenham misericórdia. Que a luz a acompanhe até a morada de seus ancestrais nessa despedida, é o que Lilith diz.
– Infelizmente o arrependimento virá Lilith, e a marca feita em ti te levará junto comigo.
– Belas palavras, belas e equivocadas. Estas aqui serão as últimas. –ela aponta a Kaleido para o rosto de Hatsumomo – Dai Bakuhatsu.
A maga desintegra o corpo da substituta com essas palavras. Substituta que seria agora conhecida como traidora caso essa informação vazasse. A essa altura o aprendiz estava longe, decerto pensando no ocorrido. Paralisa novamente. Sente que uma aura está se esvaindo diante de seus sentidos, como se alguém importante que estivesse lhe tocando estivesse se afastando e se desfazendo, se despedindo naquele exato momento, lento e duradouro, que se estende até a eternidade. Tudo aquilo e a corrente de pensamentos que toma conta de seu ser começa a escorrer sobre ele como as gotas da chuva que começa a cair. Lentamente, lentamente, mais fortes, mais rapidamente, agora várias e várias. Uma chuva torrencial. São gotas profundas, penetram nas mais profundas profundezas da terra, e mais profunda parece ser a dor da raposa, e ainda mais profunda parece estar a localização da alma da Hatsumomo. O tempo passa, sabe-se lá quanto. Ora, pra que noção de tempo? Aos poucos começa a se mover, lenta e cabisbaixa raposa. O que se passa em sua sábia cabeça, só ela poderia nos dizer. Ou melhor, só ela que não pode nos dizer. Não agora, não daqui a dois dias. Não até que apagasse de dor e cansaço mental, físico, metafísico, espiritual. A raposa em sua aura de melancolia adentra na floresta negra, envolta em flashbacks e instantes de relembrar momentos. Alguns deles ocorridos ali mesmo. Outros em sua terra natal. Todos essencialmente importantes para tê-lo feito chegar ao seu atual estágio de angústia. Todos sem importância nenhuma diante daquilo que tomou conta de seu coração. O luto se materializa como um fardo pesado para ele, e mesmo assim a raposa apenas caminha, caminha, e caminha, e caminha, e é finalmente vencida, após toda a resistência. Estava em desvantagem numérica contra angústias, lembrança antiga, sentimentos, cansaço. Quem vem em seu socorro nos momentos de total perdição é parte de si mesmo. Só assim a “salvação da imersão em melancolia” pode ser efetiva. As gêmeas katanas, unidas na guerreira semelhante a seu mestre chamam pelo seu nome. Inicia-se dessa maneira um diálogo a quatro em seu mundo espiritual, o mundo das tempestades agora completamente tomado por uma chuva de dor e tristeza.

Capítulo 8 – Outra história


– “O que querem de mim? Vocês já sabem o que está acontecendo...”
– “Queremos o seu poder.”– responde a guerreira de katana dupla. Voz dupla também ela tinha, e com voz dupla continua. “Graças a seu poder, eu e aquela raposa branca existimos. Não queremos morrer, assim como qualquer ser vivente. Queremos seu poder, o de nos dar vida.”
–“Seu coração tomado pala tristeza acabará apagando a nossa existência, essa chuva acabará varrendo de seu interior a nossa existência!” Era a raposa continuando.
–“A chuva, que nunca deixa de me lembrar uma pessoa...”
–“Mestre... A Hatsumomo se foi, nem mesmo a mais poderosa das criaturas desse lugar pode restaurar uma vida perdida” Dizem as katanas
– “Não... não era ela, não era exatamente ela... era algo que eu pensaria muito antes de contar até a mim mesmo.”
– “Ora filhote, nós somos você. Em parte... nossos contratos feitos... comigo, um selo de minha vontade própria, com elas, um pacto. Nos dois casos, união e submissão a você.”
–“Sábias raposas e entidades... com as colossais capacidades de argumentação. A Hatsumomo era como a chuva... por isso me lembrava alguém. Alguém que foi importante na minha vida. Vivi por muito tempo no escuro e na ignorância, no frio, na solidão. E essa pessoa apareceu e me tirou disso, era alguém que mantinha longe do frio da solidão, e desta última propriamente dita. E o que verdadeiramente se chama solidão aparece na ausência de amor, foi o que ela ensinou. Mas ela, aquela pessoa me manteve longe disso. A pessoa que por momentos me deixou de forma aconchegante em seus ombros. Quando ela fazia isso apagava toda angústia, tristeza, cansaço ou ansiedade que residia em mim. A pessoa que algum tempo depois não me recebeu mais em seus braços, nunca mais me iluminou com um sorriso, nunca mais me fez entender inúmeras palavras com um simples olhar, nunca mais me guiou puxando-me pelo pulso... nunca... Fiquei feliz mesmo assim, mesmo com a distância tornando isso tão triste e drástico. Antes de ir ela me ensinou outra coisa. Mais vale a ausência sincera do que a presença falsa e incompleta. E após me ensinar aquilo... reticências. Tentei ler aquelas reticências, aqueles olhos eram vagos por natureza, ela foi o maior mistério que eu tive em mãos. Costumo dizer que as personalidades parecem enigmas. E quanto mais deciframos o enigma de alguém, mais sabemos da personalidade daquele alguém. As existências ficam nesse eterno jogo, liberando partes de seus enigmas propositadamente, escondendo outras para que não sejam vistos por certas pessoas. É certo que não dá pra decifrar totalmente a outra pessoa, mas eu sempre gostei de ver o máximo que conseguia. E apesar de tudo, apesar dela dizer “até que você me entende”, ela foi o enigma mais complexo que eu tive pra decifrar. E antes que ela me acolhesse mais uma vez, se foi. E assim até a chama eterna da esperança perdeu forças e apagou.”
–“Você só se preocupa com os problemas dos outros. Se você arrumar só a vida dos outros, quem vai arrumar a sua vida? A solidão não provém da falta de companhia, ela nasce da falta de amor, assim como ela ensinou. A sua “pessoa importante”... por isso chove nesse mundo, e nós sentimos frio, assim como você, filhote. ”Responde a raposa gigante, acolhendo a pequena raposa entre as patas.
–“Raitun... Raitun! A sua voz é a que alcançou as nossas almas. Ela que nos uniu e nos aconchegou... deu-nos um ombro para nos sustentarmos. Por isso queremos ouvir novamente sua voz. Sempre. Não somos muito fãs da chuva, não neste mundo. Neste mundo também chove. Quando você enfrenta problemas, quando está com a calma tomada pela melancolia, o céu aqui se fecha e começa uma chuva que nós odiamos. Odiamos essa chuva, e temos medo de nos molhar nessa chuva, nesse mundo solitário. Queremos parar essa chuva, e vamos emprestar a você todo o poder que precisas, mostraremos a você o quão poderoso é a perfeição em forma de aprendiz. Vamos nos acolher uns nos ombros dos outros, e cooperar, e não deixar o outro com frio. Você compreende o pavor que tenho dessa chuva? Não queremos mais que chova aqui, queremos apenas nossos ventos assustadores e tempestuosos. Se você acredita em mim, digo-lhe que não deixar um pingo de chuva nesse mundo. Se chamar os nossos nomes, atenderemos ao seu chamado, até destroçar nosso inimigo! Acredite em nós, mestre. Você não é o único que está lutando para arrumar os problemas dos outros, e seus próprios problemas. O poder de acreditar é seu.”
–“Acredite em nós, e reacenda o fogo da raposa. Acredite que não é o único que luta para arrumar problemas alheios, e seus próprios problemas. Você tem o poder de acreditar.”

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